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Acordo de quotistas na sociedade limitada. Validade e eficácia

Com a entrada em vigor do novo Código Civil, que revogou a Parte Primeira do C.Com. e normas esparsas sobre direito societário calcadas na teoria dos atos de comércio, consolidou-se num único diploma, agora sob a égide da teoria dos atos de empresa, a união do direito civil e comercial, que inclui a sociedade limitada nesse único ordenamento, disciplinando e regulando este tipo societário, com novas regras e princípios a serem obedecidos pelos sócios quotistas, em substituição à sociedade de quotas por responsabilidade limitada, regulada pelo Decreto 3.708/19.

Partindo-se da premissa que a sociedade limitada, como propõe Rubens Requião (Curso de Direito Comercial, 24ª. ed., 2000), apresenta-se como elemento abstrato fruto da ação intencional de seus titulares em promover o exercício da atividade econômica de forma organizada e superavitária, nela é intuitivo que se exija maior grau de boa-fé entre os membros da sociedade, onde a identidade dos participantes importa diretamente no capital social, em especialmente no momento da elaboração de seu ato de constituição, ou contrato social, uma vez que deve conter todas as cláusulas e condições necessárias a se determinar com precisão os direitos e obrigações dos sócios entre si e para com terceiros.  

Por outro lado, os sócios quotistas podem ter interesses convergentes àqueles que os uniram e se encontram materializados no contrato social. Será que esses interesses convergentes podem através de acordo parassocial, também chamado de acordo quotista, ser coadunados na busca de interesses dos membros do grupo? Se sim, quais são esses interesses convergente e quais as implicações?

A doutrina, utilizando-se da Lei de S/A, tem entendido que esses interesses estão calcados na busca do chamado voto em bloco e do poder de controle. Já para Rachel Sztajn (Em Reforma da Lei de Sociedade por Ações” obra coletiva coordenada por Waldirio Bulgareli), a variedade das matérias objeto de acordos de sócios é, efetivamente, larga, podendo abranger desde voto - de forma ampla ou limitada -, distribuição de resultados, preferência para a aquisição de quota de qualquer sócio que desejar retirar-se, indicação de veto a administradores, ou seja, de diversos assuntos de interesses do grupo de acordo.

Analisando-se o caso, ainda sobre a égide do Decreto 3.708/19, Celso Baribi Filho (Acordo de Acionistas: Panorama Atual do Instituto no Direito Brasileiro e Propostas para a Reforma de sua Disciplina Legal), diz que o acordo de quotistas de sociedade limitada é um instituto que vem sendo crescentemente utilizado na prática e sobre cuja legalidade há algumas discussões em razão do sistema positivo brasileiro. Diz o mencionado autor que José Alexandre Tavares Guerreiro já sustentou a impossibilidade do acordo, pois, embora o problema pudesse, em princípio, ser resolvido pela aplicação analógica do art. 118 da Lei das S/A na disciplina das sociedades por quotas, a existência da norma do art. 302, 7, do Código Comercial, agora revogado, impediria acordos de quotistas. Isso porque dita norma estabelece que o contrato social deve conter todas as regras e ditames necessários a fixar os direitos e obrigações dos sócios entre si e para com terceiros, sendo nula toda cláusula ou condição oculta, contrária ao contido no instrumento ostensivo do contrato ([s.d.], p. 102).

Ainda na análise do assunto, o mesmo Celso Barbi, referindo-se a Modesto Carvalhosa, noticia que de acordo com esse jurista há intensa utilização prática do instituto de acordo de quotistas por aplicação subsidiária da Lei das S/A, haja vista o art. 18 do Decreto 3.708/19, pois, com base na doutrina italiana, no acordo de quotistas o sócio faz declarações de vontade como titular de seu patrimônio particular e não apenas como membro da sociedade. Assim, nada impede que ele disponha segundo lhe aprouver sobre seus direitos pessoais de votar e de transferir quotas, desde que faça dentro dos limites do contrato social. Desse modo, aplicando-se subsidiariamente o art. 118 da Lei das S/A à sociedade limitada, é válido o acordo de quotistas que, para escapar de eventual caráter oculto repudiado pelo art. 302, 7, do C.Com., deve ser arquivado na sede da sociedade e no Registro do Comércio.

Já Waldírio Bulgarelli, comenta ainda Celso Barbi, constata a validade dos acordos de quotistas, ressalvando apenas que sua conclusão não decorre dos mesmos fundamentos. Em seu entender, o acordo de quotistas é válido apenas entre seus signatários, sendo inoponível à sociedade e a terceiros, porque seu objetivo não é infletir sobre o contrato social para modificá-lo, pouco importando, assim, que seja ou não oculto. É, portanto, apenas um negócio de efeitos inter-partes, as quais respondem por eventuais danos que causarem a terceiros, pois, de acordo com o art. 16 do Decreto nº 3.708/19, as “deliberações dos sócios, quando infringentes do contrato social ou da lei, dão responsabilidade ilimitada àqueles que expressamente hajam ajustado tais deliberações”. Mas, se obedecer ao regime do art. 118 da Lei das S/A e for arquivado na sede da sociedade, aí será oponível à sociedade e a terceiros.

No entanto, com a entrada em vigor do Novo Código Civil o acordo de quotistas é possível ou não? Para alguns autores, parece válido e legítimo.

Modesto Carvalhosa reconhece que as normas e princípios que disciplinam e regem o instituto do acordo de acionistas são aplicáveis às limitadas. O mesmo jurista define o acordo de acionistas (Nova Lei das S/A) como contrato que, submetido às normas comuns, é concluído entre sócios de mesma companhia tendo por objeto a regulação do exercício dos direitos referentes às suas ações. Essa modalidade negocial permite a conservação de titularidade e posse dos direitos imanentes de suas ações, submetendo-se a determinadas restrições negociais no exercício dos direitos respectivos.

Sergio Campinho (O Direito de Empresas) discorre acerca da figura do acordo de quotistas: “Na hipótese de acordo de cotista, verificando-se no contrato a utilização a utilização subsidiária da Lei das S/A, não se tem dúvida da possibilidade de sua celebração pelos sócios, aplicando-se à espécie o disposto no artigo 118 da Lei 6.505/76, com as necessárias adaptações ao tipo societário de limitada. Todavia, ainda na ausência da prefalada previsão, regrando-se supletivamente a limitada pelas normas da sociedade simples, sustentamos ser possível aos quotistas a celebração do pacto, por aplicação analógica do preceito que não violenta sua natureza e apresenta-se como regra benéfica aos cotistas, ao permitir que regulem o exercício de certos direitos.”

Portanto conclui-se que o instituto do acordo de acionistas é plenamente aplicável nas sociedades limitadas, à luz do novo Código Civil brasileiro, desde que o contrato social preveja expressamente a aplicação supletiva das normas da Lei das Sociedades Anônimas - a Lei nº 6.404, de 1976 – para preencher as lacunas da lei ou do contrato, pois dessa forma é que se possibilitará a aplicação do artigo 118 da referida legislação.

O referido artigo 118 da Lei das Sociedades Anônimas regula o acordo de acionistas, cuja natureza é contratual, sendo que será sempre acessório, autônomo e não societário, caso contrario se teria uma sociedade dentro da sociedade.

Apesar de ser um contrato que fixa direitos e obrigações de determinado grupo de sócios de uma sociedade, regulando por vezes o direito de voto e controle da mesma, não se pode atribuir um caráter societário ao pacto, pois se estaria reconhecendo a existência de uma sociedade dentro de outra sociedade, o que não pode ser admitido. Portanto o acordo tem natureza contrautalista, mesmo porque nela há o requisito do affectiio, devendo seguir a mesma sistemática do direito comum e respeitar os preceitos esculpidos no artigo 104 do novo Código Civil, a saber: 1) agente capaz; 2) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e 3) forma prescrita em lei ou não defesa em lei. Como o pacto tem força vinculativa, aquele que diverge deve dobra-se à vontade do vinculo contratual, caso contrário o acordo de quotista será uma peça sem efeito, razão pela qual o tempo de duração e forma de extinção devem ser muito bem especificados, sob pena de falta de validade, pois não se pode admitir negócios jurídicos que obriguem as partes por prazo indeterminado..

No tocante as matérias que podem ser objeto do acordo, temos que o detalhamento de temas que os quotistas desejam regulamentar no acordo devem ser cuidadosamente trabalhado, em especial a relação entre sócios em conflito com o grupo de quotistas, o dever de lealdade do sócio com a sociedade, conflitos de interesses, abusos e concorrência desleal entre quotistas, bem como regras específicas dos controladores e dos administradores, uma vez que na votação de controle por acordo de voto (art. 116 L S/A) os integrantes do grupo ficam sujeitos à responsabilidade e obrigações não apenas de sócios mas também do controlador e o modo de exercício desse poder, na hipótese de abusos, assuntos que podem sobreporem-se aos interesses reais e à substância do que deverá ser deliberado para a sociedade, evitando, assim, situações futuras de desconforto que podem, inclusive, prejudicar a governabilidade da empresa.

A doutrina aponta duas classificações aos acordos de voto: os acordos de vontade e os acordos de verdade. Quanto aos primeiros, são regular e pacificamente aceitos considerando a plena autonomia da manifestação da vontade das partes, de forma independente. Os segundos - os acordos de verdade - encontram limitações e fragilidade. Acordos para regular eventuais operações futuras sem que estejam presentes todos os elementos necessários de decisão, ou sem que se tenha uma previsão de custos e benefícios, poderão ser considerados acordos de verdade e assim, passíveis de decretação de sua nulidade. Inclusive nesse esteio há vários julgados do TJ de São Paulo, dentre eles Apl.3.611-4/5 e AI 283.648-5, 225.617-4; 134.572-4.

Quanto ao registro, a guisa do entendimento de Modesto Carvalhosa, já apontado, entendemos que o acordo de acionista deve ser, para valer contra sócios quotistas, levado a registro na sede da sociedade, porém para ter força contra terceiros também deverá ser levado a registro no Registro de Comércio.

Por fim, conforme já apontado, é licito aos sócios, quando da elaboração e concretização do pacto parassocial, contratar quaisquer assuntos relativos aos interesses convergentes que os uniram. Entretanto, existe, expressamente, um campo no qual estão impedidos de deliberarem, refere-se à transferência e venda de direitos de voto que é tipificada como crime, nos termos do artigo 177, parágrafo 2º do Código Penal.


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